Como Trump coloca imigrantes brasileiros no caminho da expulsão
O presidente dos EUA cria condições para perseguir e deter em grande escala os imigrantes sem documentos que evitam a fronteira com o México. Em seu retorno ao poder, Donald Trump anunciou uma série de medidas rigorosas para reprimir a imigração irregular nos Estados Unidos. Com diversos mecanismos, o pacote do presidente coloca na rota da deportação milhões de imigrantes que construíram suas vidas ao longo de anos em território americano.
Entre os grupos mais afetados está a crescente comunidade brasileira, que frequentemente entra no país com vistos de turista ou estudante para evitar a travessia arriscada pelo México. O controle migratório na fronteira sul foi o foco da repressão aos imigrantes sem documentos durante o governo do democrata Joe Biden.
Em 2022, o Departamento de Segurança Interna (DHS) estimou que 230 mil brasileiros viviam sem permissão nos EUA — o oitavo maior grupo por nacionalidade, aproximando-se das comunidades colombiana e venezuelana.
Se concretizados, os planos de Trump diferem da estratégia de seu antecessor ao mirar em cerca de 8 milhões de trabalhadores que, segundo o Centro para Estudos de Migração de Nova York (CMS), atuam principalmente na agricultura, construção civil e setor de serviços. Além de reforçar o controle nas fronteiras, o novo presidente amplia as operações do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) por todo o país, alcançando locais sensíveis como igrejas, hospitais e escolas.
Trump também estabelece a política de remoções imediatas em qualquer lugar. Funcionários de nível inferior agora têm permissão para expulsar sumariamente imigrantes sem documentos sem necessidade de audiência judicial, caso não consigam comprovar que estão nos EUA há pelo menos dois anos. Sob Biden, essa medida só podia ser aplicada em um raio de até 160 quilômetros das fronteiras.
“Ainda não sabemos o impacto de longo prazo ou a duração dessas medidas, mas há um esforço claro para ampliar a capacidade de realizar deportações no interior dos EUA”, afirma Colleen Putzel, analista de políticas do Instituto de Política Migratória.
Além disso, foram revogadas diretrizes que orientavam os agentes do ICE a considerar fatores que poderiam evitar deportações, como a ausência de antecedentes criminais e a presença de familiares nos EUA.
“Imigrantes sem documentos sempre foram uma parcela considerável da população americana, e já houve momentos na história em que se discutiu deportação em massa. Mas a abrangência e a intensidade das ordens executivas de Trump não têm precedentes”, diz Mario Russell, diretor-executivo do CMS.
Clima de medo nos EUA
Trump e seu “czar da fronteira”, Tom Homan, afirmaram que querem deportar todos os 11 milhões de imigrantes sem documentos nos EUA. Segundo a imprensa americana, autoridades do governo estabeleceram metas diárias de até 1,5 mil prisões pelo ICE.
Advogados especializados em imigração em Washington, Flórida e Pensilvânia relatam um novo clima de medo entre imigrantes sem documentos. Diante da repressão generalizada, alguns consideram até a possibilidade de se “auto deportar”.
“Tenho clientes que pensam em voltar ao Brasil, mesmo tendo boas chances na Justiça, porque não querem correr o risco de serem detidos pelo ICE”, conta Karen Hoffmann, advogada na Filadélfia. “Essas pessoas criaram laços e negócios aqui. Além do impacto humano, será uma grande perda se forem deportadas.”
Entre 2022 e 2023, durante o governo Biden, a população detida pelo ICE aumentou 40%, passando de 26 mil para 37 mil, com um crescimento posterior. Cerca de 9 mil brasileiros foram apreendidos na gestão Biden, entre 2021 e 2024, principalmente por violações das leis migratórias em Boston, onde há uma grande comunidade brasileira.
Aumento de entradas e deportações sob Biden
Os EUA registraram um fluxo recorde de imigrantes sob Biden. Cerca de 10 milhões de pessoas foram impedidas de entrar no país e 1,5 milhão foram deportadas — incluindo mais de 7 mil brasileiros.
Aproximadamente metade das deportações na gestão democrata ocorreu entre outubro de 2023 e setembro de 2024. Entre os 192 países de origem, o Brasil foi o décimo primeiro em número de deportados no período, com 1,8 mil cidadãos expulsos. Os dez primeiros países da lista são todos latino-americanos e somaram 256 mil deportados.
Outros 2,9 milhões de imigrantes e solicitantes de asilo foram barrados nas fronteiras pelo Título 42, uma norma implementada por Trump em 2020 durante a pandemia de Covid-19 e mantida por Biden até maio de 2023. A medida, originalmente voltada à saúde pública, tornou praticamente impossível solicitar asilo nos EUA, permitindo a rápida deportação de migrantes que cruzavam a fronteira ilegalmente, sem análise de seus pedidos.
Tensão diplomática com o Brasil
As deportações de brasileiros aumentaram após o governo de Michel Temer assinar um acordo com a primeira administração Trump para facilitar o retorno ao Brasil de imigrantes sem chance de recurso nos EUA.
Logo após a segunda posse de Trump, o Itamaraty solicitou esclarecimentos aos EUA sobre relatos de deportados chegando ao Brasil algemados e submetidos a tratamento degradante. O uso de algemas, no entanto, não é uma prática inédita.
“O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas com os Estados Unidos não estejam sendo respeitadas”, declarou o Itamaraty em nota. “O Brasil concordou com os voos de repatriação a partir de 2018 para reduzir o tempo de permanência de seus cidadãos em centros de detenção norte-americanos por imigração irregular e sem possibilidade de recurso.”
Em 2024, o Brasil recusou a entrada de 8.799 pessoas que não tinham visto ou não atendiam a outros critérios migratórios e expulsou ou deportou outras 36, segundo a Polícia Federal (PF).
Diferentemente dos EUA, o Brasil não realiza deportações em massa nem fretamento de voos para devolução de estrangeiros. Nesses casos, segundo a PF, os voos comerciais transportam no máximo dois indivíduos, e o uso de algemas é excepcional, aplicado apenas quando há risco à segurança do voo.